domingo, dezembro 14, 2008

Passeeeeeeeeii

Quanto tempo eu passei sonhando com a prova do mestrado, parecia tão distante. Desde o começo da graduação eu fazia planos pra que isso acontecesse. Inicialmente queria fazer o curso fora, mas com os percalços do caminho, acabei preferindo fazer por aqui mesmo. Quer dizer, não dá pra chamar um emprego de percalço, por mais que por vezes esse pareça. Foi exatamente esse emprego que me impediu de fazer a prova ano passado como estava planejado, na verdade, eu quase não consigo me formar. Este ano, decidi fazer uma especialização pra não perder contato com a universidade, e pra ter um título, claro. A obsessão era tanta que fiz a única da UFPA, especialização em Língua Portuguesa. Olha o sacrifício, pensei. Que nada, graças a Deus é só o nome, adorei as disciplinas de literatura. As provas, enfim, foram rolando. A primeira me levou pro hospital, tava tão nervosa que tive uma crise e passei uma tarde no soro dias antes da prova. Na segunda, o nervosismo me atacou na hora da prova, não escrevi coisa com coisa, meu orientador fiscalizando, um tema que nunca esperava, certamente não passaria. Graças a Deus não foi assim, quantas lágrimas eu derramei, não podia acreditar ao ver minha média na lista. Não foi tão boa, mas o suficiente pra passar pra última e mais terrível fase: a entrevista. Professores que eu gosto muito estavam na banca, minhas amigas dizendo que eu estava passada, não é bem assim. Meu nervosismo me fez ter um ataque de riso na hora. Eles foram muito bacanas, não quer dizer nada. Não perguntaram nada do meu projeto, e agora, não era esse o objetivo da entrevista? Eles riam das minhas palhaçadas e quando eu pensei que estava começando, está ótimo, Aline, pode ir. O quê, já? Meu Deus, meu projeto é tão ruim que nem comentaram nada. Tá ótimo mesmo? Espera o resultado, Aline. E como foi difícil esperar, não tinha mais unhas pra roer, os dias não passavam. No dia do resultado acordei e direto pro computador, não conseguia esperar até as 2 da tarde. Saiu mais cedo. Quando vi o link, uma oração antes. Misericódia, Senhor! E lá estava minha média. Mãe, passei. Lágrimas, gritos, telefonemas. Desde o listão do vestibular não sentia uma felicidade tão grande. Dias depois, eu e Brenda planejando o doutorado. Aprendi que tenho asas, posso começar a voar.

Cântico negro

José Régio

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria b
om que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!