sábado, fevereiro 24, 2007

Ao meu poeta-vampiro

Ah, meu poeta, foram-se nossos primeiros, segundos, terceiros amores.
O coração ficou, as lembranças ficaram, a infância se perdeu.
Nada restou de nós, nem fumaça ou cinza.
O sol se entrepôs em nossas noites.
Amanheceu entre nós.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Eu-Florbela

"...Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura. Grave e metódica ate à mania, atenta a todas as subtilezas dum raciocínio claro e lúcido, não deixo, no entanto, de ser uma espécie de D. Quixote fêmea a combater moinhos de vento, quimérica e fantástica, sempre enganada e sempre a pedir novas mentiras à vida, num dar de mim própria que não acaba, que não desfalece, que não cansa!"

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

FLORBELA ESPANCA

"Ser poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens! Morder como quem beija!É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!" (Florbela Espanca, Ser poeta)

LÁGRIMAS OCULTAS

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...


E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!


E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...


E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


EU...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...


Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...


Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...


Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!


FANATISMO

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver !
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida !


Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida !"


Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim !


E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..."


AMAR!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!


Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!


Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!


E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


TÉDIO

Passo pálida e triste. Oiço dizer
"Que branca que ela é! Parece morta!"
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...


Que diga o mundo e a gente o que quiser!
- O que é que isso me faz?... o que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!


O que é que isso me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!


E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente dias,
E os dias, sempre os mesmos, a correr...


CRUCIFICADA

Amiga... noiva... irmã... o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las
Ao beijar a esmola que me deres.


Podes amar até outras mulheres!
- Hei de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor só para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!


Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei de poisar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.


E depois... Ah! Depois de dores tamanhas
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!


TRAZES-ME

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.


Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.


O silêncio, ao redor, é uma asa quieta…
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta…


Cheira a ervas amargas, cheira a sândalo…
E o meu corpo ondulante de sereia
Dorme em teus braços másculos de vândalo…


MENTIRAS

Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?


Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade…
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!


Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito…


Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!


INCONSTÂNCIA

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!


Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!


Passei a vida a amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando...


E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...


FRÊMITO DO MEU CORPO...

Frêmito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,


Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!


E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...


E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...


VOLÚPIA

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!


A sombra entre a mentira e a verdade…
A núvem que arrastou o vento norte…
— Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!


Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!


E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…


SUPREMO ENLEIO

Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!


Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!


Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!


E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...


O MEU ORGULHO

Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera
Não me lembrar! Em tardes dolorosas
Lembro-me que fui a Primavera
Que em muros velhos faz nascer as rosas!


As minhas mãos outrora carinhosas
Pairavam como pombas... Quem soubera
Porque tudo passou e foi quimera,
E porque os muros velhos não dão rosas!


O que eu mais amo é que mais me esquece...
E eu sonho: "Quem olvida não merece...
E já não fico tão abandonada!


Sinto que valho mais, mais pobrezinha:
Que também é orgulho ser sozinha,
E também é nobreza não ter nada!


CEGUEIRA BENDITA

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!


Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…


Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!…


E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!


QUE IMPORTA?....

Eu era a desdenhosa, a indif'rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão
Como bate no peito à outra gente.


Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusão
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.


Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!


Nela refresca a boca um só instante...
Que importa?... Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes... quando passa?...


OS VERSOS QUE TE FIZ

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.


Têm dolências de veludos caros,
São como sedas brancas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!


Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!


Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!


NUNCA MAIS!

Ó castos sonhos meus! Ó mágicas visões!
Quimeras cor de sol de fúlgidos lampejos!
Dolentes devaneios! Cetíneas ilusões!
Bocas que foram minhas florescendo beijos!


Vinde beijar-me a fronte ao menos um instante,
Que eu sinta esse calor, esse perfume terno;
Vivo a chorar a porta aonde outrora o Dante
Deixou toda a esp'rança ao penetrar o inferno!


Vinde sorrir-me ainda!Hei-de morrer contente
Cantando uma canção alegre, doidamente,
A luz desse sorriso, ó fugitivos ais!


Vinde beijar-me a boca ungir-me de saudade
Ó sonhos cor de sol da minha mocidade!
Cala-te lá destino!... "Ó Nunca, nunca mais!..."

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

MAIAKOVSKI

"Sou poeta. É justamente por isto que sou interessante”.

(Maiakovski, Eu mesmo).



A FLAUTA VERTEBRADA

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

O QUE ACONTECEU

Mais do que é permitido,
mais do que é preciso,
como um delírio de poeta
sobrecarregando o sonho:
a pelota do coração tornou-se enorme,
enorme o amor,
enorme o ódio.
Sob o fardo,
as pernas vão vacilantes.
Tu o sabes,
sou bem fornido,
entretanto me arrasto,
apêndice do coração,
vergando as espáduas gigantes.
Encho-me dum leite de versos
e, sem poder transbordas,
encho-me mais e mais.

IMPOSSÍVEL

Sozinho não posso
carregar um piano
e menos ainda um cofre-forte.
Como poderia então
retomar de ti meu coração
e carregá-lo de volta?
Os banqueiros dizem com razão:
"Quando nos faltam bolsos,
nós que somos muitíssimo ricos,
guardamos o dinheiro no banco".
Em ti
depositei meu amor,
tesouro encerrado em caixa de ferro,
e ando por aí
como um Creso contente.
É natural, pois,
quando me dá vontade,
que eu retire um sorriso,
a metade de um sorriso
ou menos até
e indo com as donas
eu gaste depois da meia-noite
uns quantos rublos de lirismo à toa.

ESCÁRNIOS

Desatarei a fantasia em cauda de pavão num ciclo de matizes,
entregarei a alma ao poder do enxame das rimas imprevistas.
Ânsia de ouvir de novo como me calarão das colunas das revistas
esses que sob a árvore nutriz escavam com seus focinhos as raízes.


Tenho um artigo e pretendo publicá-lo, por isso, gostaria de saber se a revista aceita publicar artigo apesar de eu ser ainda graduanda.

TU

Entraste.
A sério, olhaste
a estatura,
o bramido
e simplesmente adivinhaste:
uma criança.
Tomaste,
arrancaste-me o coração
e simplesmente foste com ele jogar
como uma menina com sua bola.
E todas,
como se vissem um milagre,
senhoras e senhorias exclamaram:
- A esse amá-lo?
Se se atira em cima,
derruba a gente!
Ela, com certeza, é domadora!
Por certo, saiu duma jaula!
E eu júbilo
esqueci o julgo.
Louco de alegria
saltava
como em casamento de índio,
tão leve, tão bem me sentia.

(traduções: Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)


Quase abandonado...

Faz tanto tempo que não posto nada... Quase que perdi o costume.
Na verdade, provavelmente as pessoas mais próximas sabem que após todo o problema com o meu irmão era difícil ter cabeça pra pensar em qualquer outra coisa.
Isso me fez pensar em tantas coisas. Principalmente que a gente sabe que a violência acontece, mas estamos tão acostumados a ver tanta crueldade que a maioria das vezes já não nos abala. Parece que só dói quando acontece com a gente. E como dói.
Pelas razões mais tolas possíveis, um ser humano é capaz de tirar a vida do outro. Por uma simples discussão de futebol um rapaz achou razão suficiente para tentar tirar a vida do meu irmão. É um absurdo toda essa situação. É um absurdo que o meu irmão tenha que viver trancado em casa enquanto o bandido está aí fora e faz questão de passar na frente da minha casa sem qualquer ressentimento. Como é possível que uma pessoa que tenta dar três tiros e continua atirando até perceber que a arma já estava descarregada, esteja impune?
Nada vai apagar a dor e o trauma do irmão por ter levado um tiro no peito e pelas costas. É horrível ver uma pessoa cheia de vida sem poder se divertir mais. Sem poder realizar as atividades que tanto gosta.
É nessas horas que percebemos o quanto o ser humano é cruel e ao mesmo tempo frágil. A vida não vale mais nada.
Depois desse incidente com o meu irmão, um amigo muito próximo da minha família morreu com um tiro após um assalto, caso que ficou conhecido por ter sido noticiado em quase todos os jornais de Belém. Meu irmão está assustado, nós estamos assustados. Até onde pode ir tanta violência? Até quando podemos suportar tanta impunidade?