sexta-feira, novembro 23, 2007

De tanto te pensar, me veio a ilusão.
A mesma ilusão
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.
De te sonhar, tenho nada,
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cismos.
De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
De muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que
Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n'água.
(Hilda Hist)

sábado, novembro 10, 2007

Um mar sem ondas

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria…
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
(Miguel Torga)

segunda-feira, outubro 29, 2007

Amanhã

Que me importa ouvir o que os outros dizem de ti, se eu sei que amanhã o teu sorriso vai florescer pra mim novamente. Que me importa o que dizem, se mesmo sabendo que é tudo verdade, tu sempre retorna pros meus braços. Que falem, pouco me importa. Que me chamem de tola ou coisa pior. Competir tem sua graça, eu sei bem.
Sei bem que amanhã tudo se acalma, que as tuas mentiras tão óbvias vão me acalentar, me deixar mais feliz pro resto do dia, ou pro resto da semana, ou pra um dia qualquer, arbitrariamente escolhido por ti. Que seja esse então o melhor de todos os meus dias e mesmo efêmero, que seja completo. Que comporte a imensidão do meu desejo na compleição do teu corpo e da volúpia transida, que se crie a necessidade insaciável do reencontro.

sábado, outubro 20, 2007

Não sei se é amor que tens

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
(...)
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?
(Ricardo Reis)

terça-feira, outubro 02, 2007

Eu acho que devia entrar no lago, mas não posso. Eu ainda não estou pronta. Oh, que desespero! Esse coração que nada acalma. Em tudo que eu quis ser, eu sou só a metade. Nem amar eu posso. É tudo vaidade. Eu ouço o que você me diz, não estou surda, tenho ouvidos, mas o que é que isso quer dizer? Pode ser que eu esteja dormindo e que ninguém vá me acordar, e pode ser que eu seja dessas que fazem um mal negócio, só para ter um teto em cima da cabeça. E pode ser que eu engane a mim mesma e feche os olhos.
(Bertolt Brecht - Na selva das cidades)

segunda-feira, setembro 24, 2007

Ária amaríssima de um instante

Tempo coagulado, um dia fui descanso e pastoreio. Um dia
Tudo era eu, bulbo que seduzia, goela clarividente
Uivo gordo viscoso, uivei entre as parreiras, uivei
Porque sabia deste AGORA,
Que a cadela do Tempo me roia, ia roer, rosnava me roendo
Cadela-tempo, tu e eu... que contorno de nada, que coisa ida
Nossa dúplice aventura...
(Hilda Hist)

quinta-feira, agosto 23, 2007

Eu-Florbela

O meu talento! De que me tem servido? Não troxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequena esmola do destino. Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que não me tenha feito mal. Talvez culpa minha, talvez... O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de que!

quarta-feira, agosto 15, 2007

Tão próximo do meu niver e nada de interessante pra contar, desde que lembrem acho que já é o suficiente. :)
Na verdade até que tem acontecido coisas fascinantes, outras nem tanto. A vida ou sei lá o que tem me surpreendido a cada passo e talvez essa seja a graça de acordar todos os dias, mesmo sabendo mais ou menos o que vai acontecer. Ando uma mescla de tristeza e felicidade, o constante jogo de opostos de que sou feita. Apesar de tudo, minhas músicas e meus poemas têm me feito a companhia necessária e isso já é o suficiente.

A OUTRA
Los Hermanos

Paz, eu quero paz
já me cansei de ser a última a saber de ti
se todo mundo sabe quem te faz chegar mais tarde
eu já cansei de imaginar você com ela
diz pra mim se vale a pena, amor
a gente ria tanto desses nossos desencontros
mas você passou do ponto, e agora já não sei mais.

Eu quero paz
quero dançar com outro par pra variar, amor
não dá mais pra fingir que ainda não vi
as cicatrizes que ela fez
se desta vez ela é senhora desse amor
pois vá embora, por favor
que não demora pra essa dor... sangrar.


segunda-feira, julho 23, 2007

Depositei nas mãos dele a flor mais bela, cultivada durante anos para ser colhida. O castelo que construí resiste ao tempo tempestuoso, à distância ventando violenta. A base parece ruir, mas resiste. A calmaria virá, a primavera voltará doce e perfumada. O olhar atrás dos óculos escuros diz muito embora congele silenciosamente meu corpo todo que treme dos pés a cabeça quando ele toca. A indiferença impõe os metros de distância que nos separam a centímetros fazendo o inverno mais insupotável, agora neva, as entranhas congelam, as lágrimas saem pretrificadas, quase imperceptíveis na geada constante.
À espera da primavera os dias rastejam inconscientes do estrago infligido ao castelo de areia que construí e que ele derruba com tanto prazer e suor a cada toque lascivo. Eu preferi o vilão ao príncipe, devo suportar as consequências. O vândalo reaparece inesperadamente, como na primeira vez, se instala grosseiramente e ainda debocha da minha fragilidade. Ele goza das minhas convicções e se vai. Mas fazer o quê se ele traz a vida em si, se torna o castelo em festa e afasta o inverno solitário.
Eu sorvo a fonte até o último gole, me preparando para hibernar quando ele se for, tento resistir às mentiras que impõe tão bem camufladas em sua pele de leite e mel. Ele sempre traz delicadamente o sol e faz renascer todo o desejo congelado pelo tempo, me queima a pele e aplica a conta gotas a vida esperada durante toda uma estação cruel.
Ao chegar, anjo melífluo encanta desmesuradamente, me faz morrer em frente ao mar calmo. Ao sair, carrasco áspero castiga desmedidamente ao tom de uma voz amarga vinda de não sei que abismo para lançar de vez às masmorras, sabendo que só ele é capaz de abrir os cadeados das correntes impostas.
É frio e escuro. Ele voltará, sempre volta.

sábado, junho 30, 2007

"Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida."

"Que engraçado o ser humano, deseja algo por tanto tempo que quando tem não sabe o que fazer". Isso foi o que eu ouvi de uma pessoa que há uns cinco anos atrás era o meu deus grego, minha paixão platônica ou qualquer outro termo encontrado no momento. Realmente, não deixa de ser uma verdade, há reações totalmente inesperadas, desculpe-me, mas não sei o que dizer. Depois de todo esse tempo, eu mudei bastante ou pelo menos o suficiente para repensar se ainda o quero com a mesma força de antes. Não dá pra deixar de constatar todas as reações físicas por ele provocadas. Quando conversamos eu tremia dos pés a cabeça. É, parece mentira, entretanto eu senti até minhas pernas tremerem e isso era bem visível.
Tudo ainda parece irreal, parece que vou acordar a qualquer momento, porque é novelesco demais pra ser verdade. Como alguém como ele vai olhar pra mim? (Olha essa auto estima, não tenho mais idade pra essas coisas!). Voltei a ser a mesma menininha confusa e tola de antes? A mesma menininha de 15 anos que ele teria repelido certamente. Apesar do tempo, os fatos voltam com a mesma intensidade ou mais fortes, foi o que eu disse a ele, talvez, não, mais do que antes.
É tudo tão confuso, é impossível pra a matemática, mas pra minha vida não, a volta foi muito mais de 360º. Tal qual a fênix, tudo renasceu. Eu preciso de tempo, e ele diz, eu espero. Eu espero? Isso não é real.
E antes? Até horas atrás tudo era o outro, até segundos antes eu teria largado tudo sem pensar duas vezes, nem mesmo uma, só por uns minutos ao lado do outro. Perdeu espaço? Todos os defeitos caíram como uma pedra pesada sobre mim, como nunca acontecera. Parece-me cada vez mais medíocre. E quanta mentira! Eu fechei os olhos pra tanta coisa. Como pôde pensar que eu não descobriria coisas acontecendo embaixo do meu nariz? Mas finjo-me enganada, meu encanto, que um engano feliz vale bem mais que um desengano que nos custa tanto! Agora não dá mais pra fingir.
Largar tudo, jogar tudo pro ar, que se ..... os que me confundem. Não serei um objeto nas mãos de ninguém, não serei subjugada
por meus desejos. Agora é tudo ou nada.

segunda-feira, junho 11, 2007

Passos em descompasso

Meus pensamentos já não me pertencem – Pertenceram-me algum dia por acaso? – Eles voam numa única direção, mas se esbarram estabanadamente na primeira barreira estática ou fluida. Não se entendem. São borboletas que rompem o casulo mais rápidas que a luz num descompasso frenético, não posso acompanhá-las, não posso controlá-las. Elas querem apenas tocar uma mente por hora tão distante e dispersa. Querem apenas chegar até o ponto desejado.
Por instinto, as borboletas já conhecem a fragrância exalante e atrativa, suas asas já se envolveram e se perderam em uns braços, em um corpo, fonte do néctar. Néctar-doce, néctar-vida. Néctar-desejo de borboleta.
As borboletas voam em descompasso à falta do néctar, os meus passos se perdem rumo a lugar nenhum, confusos distantes dele. Tão longe, tão perto... Vejo-o perder-se em outras asas, talvez mais hábeis, mas não mais belas nem melhores que as minhas.

OUTRO ALGUÉM
(Los Hermanos)

Não dá mais pra mim
Pra eu poder viver aqui
Sem ter a ti
Não dava pra prever
Que eu não ia mais te ter
Não dava pra saber
Que ia me deixar
Me trocar por
Outro alguém...
Outro alguém...

Olho para trás
A ver a alegria que
Você não foi capaz
De me causar
Penso neste tempo
Que passei sem perceber
Que não queria mais
E hoje estás com
Outro alguém...

quinta-feira, maio 10, 2007

Desabafo noturno


Eu, agora - que desfecho!

Já nem penso mais em ti...

Mas será que nunca deixo

De lembrar que te esqueci?

(Mário Quintana)


Eu poderia escolher não lembrar de ti. Eu poderia querer te enterrar em mim, como a tantos outros melhores que vieram e fizeram mais festa em meu ser, mas que invariavelmente foram para o cemitério da minha alma, cada um com um túmulo sóbrio e uma lápide de dizeres bem elaborados, afinal meus bons momentos são todos cuidadosamente guardados. Eu poderia ter dito não, mas que tola que eu sou, ainda não aprendi a dizer não. Ainda sou a mesma menina frágil que há pouco tentou desvencilhar suas asas. Abandonando a escuridão tão característica, abri minhas asas coloridas, um tanto obscuras é verdade, entretanto já mescladas de vida. Elas inda não perderam o tom pueril.
Eu realmente poderia ter feito milhões de coisas, ter fechado as portas, ter parecido menos fútil, ter dito mais e ao mesmo tempo menos, ou simplesmente ter ido dormir e não ter tentado desabafar com um teclado e um monitor durante a madrugada. Poderia, poderia, poderia... Tudo inútil. Que adianta tentar provar para mim mesma que eu não me importo, que estou totalmente sob controle, que não há vínculos. Parece-me estar mais do que provado, tentar esquecer me faz te lembrar. E essa agora, não perdi o sono, não se dê ao luxo de pensar ter feito tanto estrago. Desculpe, já ia esquecendo, não destroes, constroes. Seja feita a sua vontade então, como sempre. Não por obrigação, claro, mas porque isso me agrada e dessa parte já sabes, melhor que eu talvez. Lestes-me as linhas e as entrelinhas e sabes perfeitamente o quanto me agrada agradá-lo.
Pobre criatura confusa, se pensa esfinge, mas acaba por ser devorada.

sábado, abril 28, 2007

Dia-a-dia só mico...

Não é que a história de recitar o poema deu certo. Eu até quis fazer performance, mas fiquei morrendo de vergonha, mesmo assim foi bem legal. Uma entonaçãozinha na voz e pronto, sem contar que com as atuais turbulências na minha vida emotiva, inspiração não faltou.
Mas... mudando de assunto, que saudade eu estava dessa página, o Impacto suga mesmo e eu não tenho nem do que reclamar, amo o que faço apesar dos percalços. E, como não poderia deixar de ser, já paguei milhões de micos.
Um dia desses, entregando minhas redações, não é que a minha sandália arrebentou. Sem ter como andar direito, tive de dar aula descalça e mais lá na frente, putz... tropeçei, que mico. Tive de aguentar até o final, afinal, aula é aula. Valeu a pena assim mesmo, recebi um bilhete lindo, lindo, valeu por todos os micos.
Pior nem foi isso, numa das minhas maravilhosas conversas com as alunas, uma me falou que saiu de sala porque eu dei a mesma aula sobre Barroco. Ainda estou tentando me refazer, ninguém me falou nada e eu, certa de estar bem na foto, fui até o final com as mesmas piadinhas, que horror!!! Nessas horas ninguém avisa, né? Deixa a criatura continuar o mico.
O pior de todos foi na UFPA, esse vai ficar pra história, gosto da frase e não mudo, não estou nem aí. Mas deixa eu contar. Numa das únicas aulas que realmente valem a pena, o Paulo começa a falar da esfinge e seu costume, como posso explicar, sexualmente selvagem, coisa que eu não sabia. Quando ele falou da esfinge matando seus desafiantes pelo excesso do ato sexual, não sabia onde me enterrar, pedindo pra ninguém lembrar do meu perfil. Como o esperado, todo mundo apontou a Keifer, até o Paulo. Pra não ficar por baixo - sem ambiguidades, claro - , ela fez questão de espalhar em alto e bom som o meu ingênuo uso do "Decifra-me ou te devoro" nos meus perfis. Fez-se então o riso, toda sala olhando, apontando. Ele tentou ajudar, eu tentei explicar, não adiantou, todo mundo riu, deixa pra lá, c'est la vie. Uso a frase por me achar enigmática, e devorar... dá até um charme, faz bem meu estilo coquete.
Se eu continuar a contação, vou encher a página só de micos e como esse não é o tipo de coisa que a gente sai contando pra todo mundo, deixa eu ficar quieta, até porque a lista só aumenta a cada dia. Quelle horreur! Às vezes, a gente pensa que está arrebentando e na verdade está é se arrebentando. Eu que o diga, só faire de canards.

quinta-feira, março 29, 2007

É, parece que finalmente agora vai. Depois de ter que esperar um tempinho, finalmente começei as aulas de francês, e claro, já estou aprendendo algumas coisinhas. Agora sim vou poder ler o Baudelaire (amado) no original.
Uma das minhas provas é recitar um poema lindo que vai a seguir.


Paris at night
(Jacques Prévert)

Trois allumettes une à une dan la nuit
la première pour voir ton visage tout entier
la seconde por voir tes yeux
la dernière pour voir ta bouche
Et l'obscurité tout entiere pour me rappeler tout cela
en te serrante dan mes bras

sábado, fevereiro 24, 2007

Ao meu poeta-vampiro

Ah, meu poeta, foram-se nossos primeiros, segundos, terceiros amores.
O coração ficou, as lembranças ficaram, a infância se perdeu.
Nada restou de nós, nem fumaça ou cinza.
O sol se entrepôs em nossas noites.
Amanheceu entre nós.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Eu-Florbela

"...Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura. Grave e metódica ate à mania, atenta a todas as subtilezas dum raciocínio claro e lúcido, não deixo, no entanto, de ser uma espécie de D. Quixote fêmea a combater moinhos de vento, quimérica e fantástica, sempre enganada e sempre a pedir novas mentiras à vida, num dar de mim própria que não acaba, que não desfalece, que não cansa!"

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

FLORBELA ESPANCA

"Ser poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens! Morder como quem beija!É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!" (Florbela Espanca, Ser poeta)

LÁGRIMAS OCULTAS

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...


E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!


E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...


E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


EU...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...


Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...


Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...


Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!


FANATISMO

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver !
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida !


Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida !"


Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim !


E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..."


AMAR!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!


Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!


Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!


E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


TÉDIO

Passo pálida e triste. Oiço dizer
"Que branca que ela é! Parece morta!"
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...


Que diga o mundo e a gente o que quiser!
- O que é que isso me faz?... o que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!


O que é que isso me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!


E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente dias,
E os dias, sempre os mesmos, a correr...


CRUCIFICADA

Amiga... noiva... irmã... o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las
Ao beijar a esmola que me deres.


Podes amar até outras mulheres!
- Hei de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor só para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!


Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei de poisar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.


E depois... Ah! Depois de dores tamanhas
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!


TRAZES-ME

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.


Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.


O silêncio, ao redor, é uma asa quieta…
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta…


Cheira a ervas amargas, cheira a sândalo…
E o meu corpo ondulante de sereia
Dorme em teus braços másculos de vândalo…


MENTIRAS

Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?


Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade…
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!


Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito…


Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!


INCONSTÂNCIA

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!


Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!


Passei a vida a amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando...


E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...


FRÊMITO DO MEU CORPO...

Frêmito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,


Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!


E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...


E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...


VOLÚPIA

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!


A sombra entre a mentira e a verdade…
A núvem que arrastou o vento norte…
— Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!


Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!


E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…


SUPREMO ENLEIO

Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!


Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!


Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!


E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...


O MEU ORGULHO

Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera
Não me lembrar! Em tardes dolorosas
Lembro-me que fui a Primavera
Que em muros velhos faz nascer as rosas!


As minhas mãos outrora carinhosas
Pairavam como pombas... Quem soubera
Porque tudo passou e foi quimera,
E porque os muros velhos não dão rosas!


O que eu mais amo é que mais me esquece...
E eu sonho: "Quem olvida não merece...
E já não fico tão abandonada!


Sinto que valho mais, mais pobrezinha:
Que também é orgulho ser sozinha,
E também é nobreza não ter nada!


CEGUEIRA BENDITA

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!


Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…


Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!…


E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!


QUE IMPORTA?....

Eu era a desdenhosa, a indif'rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão
Como bate no peito à outra gente.


Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusão
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.


Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!


Nela refresca a boca um só instante...
Que importa?... Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes... quando passa?...


OS VERSOS QUE TE FIZ

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.


Têm dolências de veludos caros,
São como sedas brancas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!


Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!


Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!


NUNCA MAIS!

Ó castos sonhos meus! Ó mágicas visões!
Quimeras cor de sol de fúlgidos lampejos!
Dolentes devaneios! Cetíneas ilusões!
Bocas que foram minhas florescendo beijos!


Vinde beijar-me a fronte ao menos um instante,
Que eu sinta esse calor, esse perfume terno;
Vivo a chorar a porta aonde outrora o Dante
Deixou toda a esp'rança ao penetrar o inferno!


Vinde sorrir-me ainda!Hei-de morrer contente
Cantando uma canção alegre, doidamente,
A luz desse sorriso, ó fugitivos ais!


Vinde beijar-me a boca ungir-me de saudade
Ó sonhos cor de sol da minha mocidade!
Cala-te lá destino!... "Ó Nunca, nunca mais!..."

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

MAIAKOVSKI

"Sou poeta. É justamente por isto que sou interessante”.

(Maiakovski, Eu mesmo).



A FLAUTA VERTEBRADA

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

O QUE ACONTECEU

Mais do que é permitido,
mais do que é preciso,
como um delírio de poeta
sobrecarregando o sonho:
a pelota do coração tornou-se enorme,
enorme o amor,
enorme o ódio.
Sob o fardo,
as pernas vão vacilantes.
Tu o sabes,
sou bem fornido,
entretanto me arrasto,
apêndice do coração,
vergando as espáduas gigantes.
Encho-me dum leite de versos
e, sem poder transbordas,
encho-me mais e mais.

IMPOSSÍVEL

Sozinho não posso
carregar um piano
e menos ainda um cofre-forte.
Como poderia então
retomar de ti meu coração
e carregá-lo de volta?
Os banqueiros dizem com razão:
"Quando nos faltam bolsos,
nós que somos muitíssimo ricos,
guardamos o dinheiro no banco".
Em ti
depositei meu amor,
tesouro encerrado em caixa de ferro,
e ando por aí
como um Creso contente.
É natural, pois,
quando me dá vontade,
que eu retire um sorriso,
a metade de um sorriso
ou menos até
e indo com as donas
eu gaste depois da meia-noite
uns quantos rublos de lirismo à toa.

ESCÁRNIOS

Desatarei a fantasia em cauda de pavão num ciclo de matizes,
entregarei a alma ao poder do enxame das rimas imprevistas.
Ânsia de ouvir de novo como me calarão das colunas das revistas
esses que sob a árvore nutriz escavam com seus focinhos as raízes.


Tenho um artigo e pretendo publicá-lo, por isso, gostaria de saber se a revista aceita publicar artigo apesar de eu ser ainda graduanda.

TU

Entraste.
A sério, olhaste
a estatura,
o bramido
e simplesmente adivinhaste:
uma criança.
Tomaste,
arrancaste-me o coração
e simplesmente foste com ele jogar
como uma menina com sua bola.
E todas,
como se vissem um milagre,
senhoras e senhorias exclamaram:
- A esse amá-lo?
Se se atira em cima,
derruba a gente!
Ela, com certeza, é domadora!
Por certo, saiu duma jaula!
E eu júbilo
esqueci o julgo.
Louco de alegria
saltava
como em casamento de índio,
tão leve, tão bem me sentia.

(traduções: Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)


Quase abandonado...

Faz tanto tempo que não posto nada... Quase que perdi o costume.
Na verdade, provavelmente as pessoas mais próximas sabem que após todo o problema com o meu irmão era difícil ter cabeça pra pensar em qualquer outra coisa.
Isso me fez pensar em tantas coisas. Principalmente que a gente sabe que a violência acontece, mas estamos tão acostumados a ver tanta crueldade que a maioria das vezes já não nos abala. Parece que só dói quando acontece com a gente. E como dói.
Pelas razões mais tolas possíveis, um ser humano é capaz de tirar a vida do outro. Por uma simples discussão de futebol um rapaz achou razão suficiente para tentar tirar a vida do meu irmão. É um absurdo toda essa situação. É um absurdo que o meu irmão tenha que viver trancado em casa enquanto o bandido está aí fora e faz questão de passar na frente da minha casa sem qualquer ressentimento. Como é possível que uma pessoa que tenta dar três tiros e continua atirando até perceber que a arma já estava descarregada, esteja impune?
Nada vai apagar a dor e o trauma do irmão por ter levado um tiro no peito e pelas costas. É horrível ver uma pessoa cheia de vida sem poder se divertir mais. Sem poder realizar as atividades que tanto gosta.
É nessas horas que percebemos o quanto o ser humano é cruel e ao mesmo tempo frágil. A vida não vale mais nada.
Depois desse incidente com o meu irmão, um amigo muito próximo da minha família morreu com um tiro após um assalto, caso que ficou conhecido por ter sido noticiado em quase todos os jornais de Belém. Meu irmão está assustado, nós estamos assustados. Até onde pode ir tanta violência? Até quando podemos suportar tanta impunidade?