segunda-feira, agosto 05, 2019

Talvez um dia ele perceba que esse ódio todo é por si próprio e que vai matá-lo vagarosamente a cada dia e um pouco mais. Afastar a todos e a quem se ama é tortura solitária, suicídio certo, mas  a escolha é dele. Sou testemunha tácita, espectadora aflita/estática da narrativa obscura que ele resolveu traçar. 

quarta-feira, julho 31, 2019

Olhos vermelhos



"Parei de pensar e comecei a sentir
Nada como um dia após dia
Uma noite, um mês
Os velhos olhos vermelhos voltaram
De vez"
(Arnaldo Jose Lima Santos / Fernando Ouro Preto)

segunda-feira, julho 29, 2019

Fim do sonho

Tá bem difícil aceitar a simples possibilidade de que eu vá morrer na beira depois de ter nadado tanto. Foram anos e anos abrindo mão de desejos, abandonando planos e pessoas pra focar em um único objetivo: o doutorado. Desde o início da graduação, não aceitava conceito que fosse menor que excelente, bons me deixavam decepcionada, regulares eram inexistentes e assim me mantive até o mestrado. Não sem percalços pra me manter, pra manter minha família. 
Muitas noites em claro, sem finais de semana e feriados, o resultado? A excelência nos estudos e uma leve mudança no nível econômico da família, cada vez mais exigente por mais. Me acostumei a não construir relacionamentos com vistas pra um futuro e a intenção de constituir família ou, ao menos, ter a filha tão desejada (pra qual até nome tinha dado desde a adolescência) se desfizeram até serem completamente rejeitadas (não sem muitas críticas). Se há uma pequena vantagem nos tempos que vivemos, apesar de algumas discussões, é a de ser bem mais aceitável a perspectiva de uma mulher focada em sua carreira em vez da vida doméstica. A família e outros intrometidos continuam a cobrar, obviamente, mas continuo com a minha política da boa vizinhança, evitando de todas as formas qualquer tipo de rusga e esse incômodo, apesar de frequente, é bem tolerável.
Lembro bem do dia em que fui aprovada no doutorado, foi inacreditável pra mim. Passar de primeira num PPG internacionalmente renomado, com nota Capes altíssima e exatamente em 2014, 10 anos após minha entrada na universidade. Bateu aquela vontade de tirar uma foto na beira do rio e colocar ao lado da primeira foto que tirei lá em 2004. Marca de uma vitória. Mostra de que cada dor tinha valido a pena e as mudanças visíveis seriam sinais claros do meu orgulho por ter chegado até ali.
O decorrer não foi fácil, vários empregos, concursos e mais as disciplinas, mas eu segurei firme. 14 disciplinas, boas colocações em concursos, mudei pra um condomínio bem localizado, comprei o carro pelo qual estava apaixonada e uma moto nova pro meu pai. Eu segurava firme as noites em claro, as refeições que não dava tempo de fazer, os prazos... sempre os prazos e os boletos então, esses nunca acabam. Pegava os free lancers da vida. Pra tudo dava um jeito. Mesmo quando fiquei sem salário por meses pela primeira vez em 2014. Respirei fundo e fiz a única que eu sei fazer, procurar mais trabalho pra pagar as contas. Enquanto isso, a tese se distanciava.
Entrei na Uepa e mais um monte de disciplinas e orientandas e bancas (e nada da minha efetivação se resolver). Fui exonerada sem motivos na Semec e passei mais alguns meses sem salário. Na ida ao oftalmo, descobri que estava no nível mais grave do ceratocone em umas das córneas, tive que correr atrás da cirurgia. Como se não bastasse, fui humilhada, privada da minha dignidade por uma das pessoas em quem mais confiava nesse mundo e a outra que eu amava, me culpava ou por ter inventado tudo ou por ter procurado a tragédia. Não dava pra pensar em tese a essa altura.
Fui informada de que deveria comparecer ao PPG pra uma reunião na qual decidiram meu desligamento, não sem antes sofrer os piores ataques como cientista, nunca produziu nada, ninguém sabe como chegou até aqui, é um estorvo pra esse PPG e tantas outras coisas que por alguns segundos sumiam. De cabeça baixa e com muitas lágrimas, me sentia afundar através do chão naquela sala diante de todos aqueles professores que eu admirava, tudo sumia e era como se eu não estivesse ali, mas a realidade me puxava pelo pé e eu voltava pra ser mais e mais rebaixada, aceitando calada várias das mentiras faladas a meu respeito e tão facilmente prováveis, mas não conseguia me defender. Todas as minhas defesas caíram e qualquer um seria capaz de passar por cima de mim sem que eu fosse capaz de qualquer atitude.
Desde aquele dia, eu sobrevivo. Me arrasto pra estabilizar outras pessoas, trabalhando mecanicamente e mantendo a personagem muito bem, confessando só pra mim meu desespero, querendo acreditar que a qualquer momento terei um rompante criativo, como tantas outras vezes antes, e vou escrever, concluir meu trabalho. Tenho minhas raras fugas quando ele aceita me aguentar, mas são fugas, nada muda. Os problemas continuam exatamente iguais. Quando volto pra casa, eles estão me esperando, às vezes piores que antes da minha saída. Cobranças e mais cobranças, boletos e mais boletos, horários e mais horários... e a tese cada vez mais distante.
As férias terminaram, não tenho mais tempo. O prazo dado pro meu religamento está terminando, não tenho mais tempo. Eu estou desmoronando sozinha, à minha volta só cobranças, meu corpo e minha mente não têm resistido ao tempo, mas eu não parei de nadar, continuo movendo meus braços e pernas, mas não consigo mais respirar direito. Vejo os últimos 15 anos passarem como um filme diante de mim e eles estão pesando tanto. A vontade é de deixar as ondas levarem meu sonho, levarem tudo, afogar e acabar com tudo isso de uma vez por todas, não tô mais aguentando.

sábado, julho 27, 2019

Quando a vida imita a literatura

Quando eu era criança, descobri o romantismo, não o romantismo vendido, comercializado no dia dos namorados pela mídia, ou dos príncipes encantados da Disney ou sei lá mais o quê pode ser considerado  romantismo hoje em dia. O que eu descobri foi um movimento artístico incrível, plural, rico e, sobretudo, idealizador. Eu era só uma menina com sonhos imensos e, por vezes, estranhos, completamente encantada pelo ultrarromantismo mórbido, que combinava perfeitamente com a minha paixão pelas roupas e unhas pretas, os cabelos vermelhos, naquela época, incompreendidos, até vistos como aspectos doentios de uma garota estranha e rebelde sem motivo.
Enchia meus cadernos com poemas românticos, minhas pesquisas se direcionavam a isso e por mais que as minhas experiências continuassem a ser negativas em tudo na vida, continuava mantendo o perfil idealizador, acreditando que o mundo é que não me compreendia e que o pessimismo me ajudaria às fugas tão incríveis que os poetas criavam. Mas aí encontrei o Baudelaire, ou ele me encontrou. Li e reli As flores do mal tantas vezes que recitava de cor "Uma carniça", "Serpente que dança", "De profundis clamavi", "Sed non satiata", "O vampiro" então, nossa, como eu amava. Passou a ser um vício.
Comecei a cursar Letras e na primeira disciplina de Literatura, deveria falar de um estilo literário, de cara escolhi o Simbolismo (nunca vou esquecer o comentário do professor ao final da minha apresentação apaixonada: tudo bem, foste muito bem, a apresentação foi excelente, mas Baudelaire não é simbolista ), me aprofundei. Virava noites lendo a respeito, vivendo o Simbolismo. De todo modo, eu não não era mais uma romântica mesmo. Tava quebrada demais pra conseguir idealizar alguma coisa e a universidade ampliou bastante minha visão de mundo pra eu ainda acreditar em relacionamentos amorosos eternos. Eu via a realidade nua e crua e queria senti-la, ouvi-la, tocá-la, experienciá-la de todas as formas que este corpo mortal e frágil pudesse, meu desejo era de transcedência. Essa foi a perspectiva que levei pra vida. 
Com o passar dos anos, me sentia cada vez mais simbolista sem que precisasse de qualquer esforço pra sê-lo. Meu pessimismo não era algo copiado, era autopreservação. E eu continuei afundando numa vidinha comum e sem sentido, dando aulas de literatura, porque literatura era minha vida, sendo humilhada e recebendo migalhas, porque eu não queria me vender, mas os anos não foram bons e o corpo mortal não resistiu, a mente era muito frágil e a depressão me pegou de jeito, só queria morrer. Foram, de fato, os piores dias da minha vida, mas eles me ensinaram como resistir, trouxeram vícios, construíram outra pessoa totalmente diferente em todos os sentidos.. ou era o que eu pensava até poucos dias atrás.
Foi penoso me refazer, demorou bastante e tudo o que eu sabia é que não queria ser nem sombra do que tinha sido. Passei a ser fria e eu, que era expert em mentiras bem armadas, criei a política da verdade. Sempre falando a verdade por pior que fosse. Era melhor sofrer as consequências do que mentir e sofrer as consequências depois. Deixei a literatura amada de lado pra ganhar dinheiro, foquei nos concursos, no doutorado, em ser a melhor em tudo. E eu era. Era o exemplo a ser seguido, a boa filha, a boa professora, a boa aluna e boa não era suficiente, excelente, é, eu era excelente, primeiros lugares, conceitos excelentes, essa era eu, irretocável, e mais, era tudo pra todos, tudo o que precisavam, porque eu era equilibrada, racional, pensava primeiro e agia depois. Na universidade, na igreja, na escola, em casa, todos recorriam a mim porque encontravam a pessoa ajuízada, equilibrada e eu gostava disso, passou a ser meu campo de defesa.
Depois de alguns anos, cansou. Eu cuidava de todo mundo e ninguém cuidava de mim. A excelência começou a pesar, ficou difícil sustentar essa máscara. Os homens vinham atraídos por ela e quando percebiam que era só uma máscara, se cansavam, isso quando não tentavam me controlar, me usar como troféu, esses são os piores, mas ainda consigo lidar com isso. Às vezes chega a incomodar, é verdade, me tira do sério, se eu quisesse ser chamariz desse tipo de homem tava em academia, postando fotos expondo meu corpo, fazendo dieta, eu preferi estudar e ainda assim conseguem transformar isso "dotes" a ser comprados. Abominável.
Passei a me arrastar, a me machucar, a me esconder, nisso eu sou muito boa. Andei sobrevivendo, mas atuo muito bem e o mais incrível é que ninguém desconfia. A minha suspeita é que as pessoas estão tão preocupadas consigo mesmas que não conseguem ver nem o que está à sua frente, quanto mais o que está escondido. Aí essa semana aconteceu.
Eu finalmente me vi diante de mim mesma.
Como eu não percebi antes? Eu simplesmente nunca deixei de ser eu. Claro que com algumas variações, mas também pudera, né? Passei dos 30, não posso mais ser a mesma da adolescência (é, eu era só uma adolescente quando entrei na universidade). Essa máscara de racionalidade pra tentar sustentar o interesse pela antropologia, o falso equilíbrio pra manter os outros, sobretudo minha família e meus amigos estáveis, tudo isso é só mais uma variação daquele ensinamento, tá completamente bêbada, mas senta como uma lady, se precisar levantar, anda devagar e em linha reta, não deixa ninguém perceber pra não passar vergonha. Foi um ensinamento pra vida. Naquele dia, ninguém realmente percebeu que eu já tava em outro mundo, de pernas cruzadas, postura reta, não parecia que eu tava com o corpo dormente, o que não impediu de levar uma queda que deixou rodelas imensas nos meus joelhos quando fui ao banheiro, embora nenhum dos meus colegas tenha percebido pelo caminhar suave e natural no trajeto até lá e, como fui logo embora, ninguém percebeu nada também. Eles não viram a queda e é isso que geralmente acontece. Todos veem a postura, os bons modos, a conversa natural e o caminhar suave, mas sou tão discreta na queda que consegui enganar a mim mesma.
Doeu ver que ainda sou a menina assustada, chorona, que adquiriu um medo gigantesco com o tempo, é verdade, mas continuo sendo a mesma garota frágil, impulsiva, inconsequente e que vive intensamente. Mantenho a pose de mulher amadurecida e responsável, racional e organizada, enganando tão bem a todos que enganei a mim, ou melhor, quis acreditar na mentira que contei a mim vivendo a fantasia porque parecia melhor que a realidade. Quando não tinha mais nada a perder, finalmente tive de aceitar que continuei sonhando e protegendo meus sonhos com tanta força pra que não maculassem o único motivo de vida que me restara. Apesar de me julgar a perdedora, sabia que tudo o que saia pela boca era o extremo oposto daquilo que realmente desejava e permaneceria lutando e repetindo aos outros que desistira, enquanto queimava por dentro. Se por um segundo desconfiassem um impulso, dava uma desculpa, porque lera o bastante, e pareceria a razão de novo. As pessoas são tão fáceis de enganar, tão preocupadas só consigo que não veem nada além do próprio umbigo. Apregoam o tempo todo seus próprios feitos, querem ser ouvidas, vistas, é fácil criar um personagem nessa sociedade, principalmente um que se enquadre nos padrões preestabelecidos. Eu criei minha personagem, eu mantive minha máscara, agora não sei mais como lidar com a ideia de ser quem eu realmente sou, uma romântica incorrigível, simbolista de vanguarda, baudelairiana.     

sexta-feira, julho 26, 2019

Esquecida

Ela passou o dia a me chamar, a me lembrar do gosto incrível do líquido vermelho escuro e semicoagulado que escorre devido ao toque hábil. Prazer indescritível. Gosto, cor, sons, fragrâncias misturados sinestesicamente na melhor sensação da existência: ver a vida escorrer de mim. Não há dor, apenas sonhos se esvaem e descem rolando pela pia do banheiro. Naqueles microminutos mágicos em que tudo some, somos só nós: lâmina, pulso, sangue, gozo. Cada vez mais fundos, cada vez mais hábil e à procura de mais, eu quero mais, preciso de mais. Não posso...
Droga de mundo que não entende as necessidades básicas de um ser humano que precisa de acalento nas horas mais duras. Se não firo ninguém, por que impedir? Se quer firo a mim de modo irreversível, por que me interditar? Não sou o estereótipo de normalidade construído por um padrão tosco de uma sociedade doente. Bem que poderiam esquecer que eu existo, ser só mais uma transeunte indigente imperceptível no meio de tantos outros. Mais uma estranha entre tantos outros nesse mundo onde nascem e morrem tantos todos os dias sem ninguém se dê conta, sem que ninguém lamente o enterro e os presentes se esforcem por resgatar da memória: quem? O que ela fez mesmo?
Por que não? As pessoas valorizam demais a vida, o legado que poderiam deixar pras próximas gerações. E eu que se quer nasci querendo viver, ficaria muito satisfeita em ser imperceptível ao morrer. Ao menos uma vez na vida, esquecida por todos, pra não ter de transmitir o legado da minha miséria. À espera dos vermes roerem, do pó ao pó. Esquecida. 

Kuroi namida



Lágrimas negras
(Anna Tsuchiya)


Por incontáveis noites desejei que o amanhã não chegasse
Perdidos meus sonhos e meu amor,
Assim como a chuva que me acerta, estou chorando...
Para que eu possa viver dessa forma, sem enfeites
O que é necessário?
Sem acreditar nem em mim mesma, em que devo acreditar?
A resposta está tão perto que não posso enxergá-la

Eu, que derramo lágrimas negras,
Não tenho nada e me sinto infinitamente triste
De um modo que não se pode expressar com palavras
Em todo o meu corpo começo a sentir dor
Tanto quanto uma pessoa só não pode suportar

Cansada de chorar na madrugada,
meu rosto já não mais transparece quem sou
Criar sorrisos que escondem minhas fraquezas é algo que vou parar de fazer...
Viver sem se enfeitar, seria neste mundo a coisa mais
Difícil de se fazer?
Se for pra receber algo de você, é melhor que não tenha um formato
Não quero mais nada que possa se quebrar

Mesmo que eu chore derramando lágrimas negras
O amanhã chegará com seu rosto desconhecido
E serei atingida pela mesma dor
Se os dias forem continuar assim
Quero desaparecer ao longe
Mesmo sabendo o quanto isso é egoísta...

Eu, que derramo lágrimas negras,
Não tenho mais nada, e estou infinitamente triste
De um modo que não se pode expressar com palavras
Em todo o meu corpo começo a sentir dor

Mesmo que eu chore derramando lágrimas negras
O amanhã chegará com seu rosto desconhecido
E serei atingida pela mesma dor
Se os dias forem continuar assim
Quero desaparecer ao longe
Mesmo sabendo o quanto isso é egoísta...

quarta-feira, julho 24, 2019

Verdade quixotesca

A verdade é que somos dois Quixotes lançando cálamos em moinhos distintos e que por desígnio incógnito se esbarraram. Não temos Sanchos que nos suportem e não tenho Dulcineia que me inspire. Que triste desventura a nossa. Que trajetória deseroica a minha.

Olhos castanhos


Quando não me vi mais refletida em seus olhos, meu corpo tremeu dos pés a cabeça. Aqueles belos e grandes olhos castanhos se esconderam de mim. Sobre mim, ainda era a mesma barba, os mesmos cachos entre meus dedos, o mesmo cheiro, mas os olhos, aqueles olhos... não refletiam mais nada. O meu corpo era o mesmo, eu era a mesma e tudo que ele provocava era igual. Ele sabia como mover cada parte de mim, ele sabia como se mover em mim, mas não sabia mais o que sentir por mim.

quarta-feira, março 27, 2019

"A alma humana é como uma criança que com nada se satisfaz, quer tudo o que não alcança e quando alcança não quer mais".

quinta-feira, janeiro 03, 2019

Alguns esclarecimentos


Gostei muito do teu poema, bem escrito como sempre, mas gostei, sobretudo, porque trouxe alguns esclarecimentos e pra quem não gosta de conversar como tu, serviu muito. É óbvio que eu entendi a mensagem, bem como os gigantescos equívocos no que me toca. Durante os últimos dias, tu, mais que a maioria das pessoas, sabes que me fechei mais em mim, não apenas porque é característico da minha personalidade, mas devido aos meus problemas familiares e pela minha própria condição de saúde que tem me restringido de fazer coisas que eu realmente deveria e preciso fazer. A propósito, eu ia me desculpar pelo afastamento, embora eu acreditasse que tinhas compreendido claramente pelas conversas que temos tido ultimamente.

Daí, me deparo com escritos que falam de um amar mais que o outro, amar pelo outro ou amar sozinho e eu fiquei pensando, de onde isso surgiu? Eu até gostaria de ser esse tipo de pessoa, me sentiria menos egoísta e moralmente melhor comigo, seria mais cristão até amar alguém como a mim mesma (um objetivo que pretendo atingir, assim que descobrir como me amar). Aliás, é bom dizer que nunca disse nada nem agi de nenhuma forma pra que isso fosse entendido e tentei adivinhar de onde surgiu essa ideia. Essa é a palavra mesmo, adivinhar, uma vez que a menos que digas, não tem como eu saber. Não apenas agi, disse repetidas vezes que gosto e quero te ter por perto porque até então me pareceu que isso fazia bem a ambos, nada além disso. Eu não deixo a entender, não minto, não atuo pra deixar uma mensagem, enfim, quando  quero algo, falo, quando não quero, falo do mesmo jeito sejam lá quais forem as consequências.

Posso afirmar com toda a certeza que mesmo quando começamos a sair, deixei muito claro que não tinha a ver contigo, eu não conseguia planejar um futuro a dois, que só consigo viver no presente e o futuro me assusta sobre tudo no mundo. Falei sobre não conseguir ver o outro como objeto e prendê-lo, que não sabia o que era sentir ciúmes (algo que nem eu sei como explicar). Até ao falar sobre amor, te disse que eu falo mesmo a todos que amo sem o menor problema por medo de me arrepender e não ter mais o momento em que pudesse fazer isso e já naquele momento ficou claro que não entendeste o que eu entendo por amor, mas quem disse que isso é fácil de explicar? Pra mim, se importar e querer bem às pessoas que estão próximas a mim é sim amar. No que diz respeito ao relacionamento a dois, feliz ou infelizmente, sou mais realista e pessimista do que gostaria, não me iludo, não consigo planejar casamento e coisinhas melosas e, obviamente, nisso, sempre fomos completamente diferentes.

O que eu entendi há muito tempo e também falei em várias ocasiões é que a fase do impulso, da lua-de-mel passou pra nós como passa em todo relacionamento e nós não seríamos exceção, o que não impediu que continuássemos aproveitando a companhia um do outro e não mudou em nada minha perspectiva de continuar vivendo o presente, me importando contigo e te querendo por perto sem que isso me prendesse ou me impedisse de continuar a minha vida como sempre. Mas aí, de novo, te ouço falar em um lado amar mais, amar pelos dois e, de novo, lá vou eu tentar entender de onde saiu isso (e me vem à mente tu dizendo pra eu parar de tentar entender as coisas, pra ser menos antropóloga, mas me desculpe, é automático, eu diria que é parte de mim).

Pela convivência, ouvindo tuas histórias, compreendi que tu constróis os teus moinhos de vento. Tu te aproximas de alguém, te apaixona loucamente, planeja mundos e fundos até passar a fase do impulso, quando a adrenalina começa a diminuir, então tu desistes ou o outro lado desiste primeiro e vai cada um pro seu lado até que aparece outra e outra e outra e outra... E o ciclo quixotesco continua. Se tu gostas de viver esse ciclo infinitamente, bom, é uma escolha tua e eu respeito, mas esse nunca foi o meu modo de viver nem de ver as coisas. Eu quero o agora, eu vivo o agora e talvez da pior forma possível, mas é a minha forma de viver. Não quero pensar no depois, assim como também não vivo de passado. Ademais, minha memória não é só péssima, também não gosto de ficar lamentando pretéritos.

Agora, sejamos honestos, quando te impedi de sair com outra pessoa (lembro de até ter te ajudado em algumas situações, inclusive)? Quando te prendi ou te impus algo de qualquer forma? Sempre foste livre, não é verdade? Até pra se afastar. Tiveste toda a liberdade que se pode ter, aliás, eu propus não termos mais contato em um dado momento, depois me arrependi porque achei desnecessário e não vejo o menor problema em admitir. Não andamos pelos mesmos lugares, não ando por aí pra te encontrar “por acaso”, nada nos prende a não ser, novamente, os bons momentos que eu pensei (talvez aí eu tenha me equivocado) que ainda compartilhássemos.

Às vezes, penso que querias que eu agisse assim, que te prendesse, que andasse atrás de ti, que me consumisse em ciúmes, exigisse excessivamente algum comportamento dito adequado, tentasse te “corrigir” ou te mudar ao meu modo e reclamasse de qualquer coisa ou qualquer pessoa pra te irritar, percebo ainda mais que o fato de te aceitar como és, nunca ter cobrado nada e ser indiferente a várias coisas que são fundamentais pra outras pessoas acaba sendo um incômodo porque não sabes como agir com alguém como eu e fica mais fácil dizer que eu amo mais, que amo pelos dois ou amo sozinha, algo que deve ser triste, no mínimo, pra conviver. Quer dizer, eu não sei se fica mais fácil pra justificar pra ti mesmo ou, se apesar de toda a franqueza, foi a única coisa que conseguiste interpretar disso tudo, o que é muito decepcionante vindo de ti.

Outra coisa, já falei isso, mas acho que preciso falar mais uma vez: não preciso dizer nem provar nada pra ninguém, tirar fotos contigo e postar em redes sociais, não preciso andar de mãos dadas por aí contigo pra mostrar alguma coisa. Fiquei foi em dúvida: será que tu querias que eu quisesse isso também? O grande problema é esse, eu não sei, tu não falas e eu fico tentando entender a partir do que tu escreves e envias pra outros.

Ainda mais do dito que acho necessário ser repetido, me importo contigo, gosto dos momentos que compartilhamos juntos e acredito que nos fazemos bem, quanto a isso, nunca soube nomenclaturar pra quem quer que fosse, mas precisa? Desculpe a frieza, mas acreditei em uma relação de troca em que ambos se beneficiam (bem grosso modo), que envolve em algum nível “bem-gostar, querer e bem-querer” sem o tão romantizado feitos um para o outro até que a morte nos separe e me incomoda imensamente esse “reducionismo do amor” que me coloca em uma posição inacessível, sob uma métrica obscura de sentimentos, que indica pena, que pede que se sinta pena da pobre criatura incompreendida e irremediavelmente iludida e ainda pior, que nos prende um ao outro de uma forma ruim (não encontrei adjetivo melhor).

Se por eu não conseguir entrar nesses padrões subjetivos de amor é incômodo pra ti, novamente me desculpe, mas eu sinceramente não sei o que se possa fazer. Aparentemente, tu ainda continuas dissuadido num sonho romântico a meu respeito e ao que sinto sei lá por qual motivo nesses quase dois anos que se vão. Talvez porque te coloque num nível hierárquico superior ao meu, menos humano e mais ideal pra ti, ou, talvez, simplesmente, porque fique mais bonito pra escrita do poeta, mas a realidade é dura, clara e não dá pra disfarçar com palavras bonitas, não a meu ver.